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Crises energética e portuária internacionais são empecilhos para a volta do crescimento da economia brasileira

Como a crise energética está afetando Europa e China e qual é o reflexo para o Brasil. É o que respondem os economistas da Costdrivers.

Free Unsplash@fresonneveld
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Não é exatamente o cenário daqueles filmes de catástrofe de Hollywood, mas a retomada das atividades econômicas em todo o mundo, com arrefecimento da pandemia de Covid-19, tem causado um efeito dominó de problemas nos quatro cantos do planeta.

No topo das preocupações, estão as crises energéticas da China e Europa, marcadas pela alta demanda em cima do carvão e do gás, respectivamente, e a explosão dos preços de fretes internacionais que agita os portos mais importantes do mundo.

Afinal, o quanto essas tensões refletem nos mercados e sobretudo no Brasil? Podemos esperar pelo pior? O que, afinal, está acontecendo com todos esses países?

Era um roteiro previsível. Bastava surtir o efeito da vacina e os casos de contágios e mortes por Covid-19 caírem, com o fim do isolamento as pessoas voltariam à vida ao normal e ao consumo, e, por consequência, as economias de todo o mundo começariam a se reaquecer.

Só faltou combinar a velocidade que isso aconteceria. Com este processo acelerado, tudo literalmente começou a ferver.

A China e a Europa se encontram em crises energéticas, pela alta procura de carvão e gás natural, respectivamente, o que está colocando em risco o abastecimento de energia elétrica naquela que é a segunda maior economia do mundo e está colocando os europeus à prova antes de um inverno que, se for rigoroso, levará países ao racionamento.

Ainda muito dependente de carvão como matriz energética, a China reduziu, em 2017, a proporção de eletricidade gerada pela queima de carvão de 80% para 56%, mas os investimentos em matrizes eólicas e solar não foram o suficiente para preencher a lacuna.

Resultado: regiões como o Nordeste do país já registraram apagões e outras recorrem ao racionamento. Na última semana de setembro, o carvão térmico na China atingiu o pico histórico de US$ 212,92 por tonelada e o governo se opôs fortemente ao repasse de custos para o povo chinês.

Em outubro, no entanto, passou a admitir que fábricas que usam carvão repassem o custo para o consumidor final de energia.

Nas últimas semanas do mês, o governo chinês resolveu intensificar o combate aos altos preços de carvão e pressionou os produtores do país a venderem os estoques, o que causou uma queda acentuada nos preços do país, embora as “consequências do estrago” ainda existam.

Em imbróglio diplomático desde 2020, a China começa aos poucos a fazer importação de carvão da Austrália, que é um dos maiores produtores do mundo, e assim como o país de Xi Jinping e os Estados Unidos, se recusou a assinar o compromisso da COP 26 de não produzir o material nos próximos anos.

A irritação chinesa com os australianos, que levou à suspensão da importação, veio sobretudo com o apoio daquele país às investidas do ex-presidente americano Donald Trump contra a economia chinesa e a favor de uma investigação de responsabilidade pela pandemia de Covid-19.

A crise energética chinesa já acendeu o alerta para o abastecimento da indústria e na cadeia de suprimentos de tecnologia.

Na última semana de setembro, as empresas responsáveis por fornecer chips para Apple e Tesla informaram que suspenderam a produção em algumas fábricas devido à falta de energia.

O distrito industrial de Lianoning, importante centro manufatureiro chinês, já emitiu cinco alertas máximos por falta de energia e admitiu que o déficit de energia está aumentado e deve chegar a 5 gigawatts.

E o pior: o governo chinês emitiu um comunicado para que seus cidadãos estoquem alimentos e itens essenciais do dia a dia, devido à uma possível ameaça no abastecimento. Se persistir o cenário desfavorável, é possível que haja um impacto global e as previsões para o PIB da China já começam a ser reduzidas.

Além dos aumentos dos preços de energia e da falta de processadores, que ocorre há alguns meses em todo o mundo, a China diminuiu a produção de magnésio devido a cortes de produção para economizar energia (e também para poluir menos, tendo em vista a realização das Olimpíadas de Inverno em Pequim no ano que vem).

Os chineses possuem praticamente o monopólio de magnésio do mercado europeu, e o metal é muito utilizado nas ligas metálicas dos carros junto com o alumínio. Todo esse conjunto de fatores pode acarretar cortes na produção europeia de automóveis, de acordo com algumas previsões.

Por falar em Europa, o enredo de crise energética no Velho Continente é o mesmo, só que a alta de consumo provocada pela volta da atividade econômica fez outra vítima: o gás natural.

O insumo é atualmente uma das principais matrizes energéticas europeias, e tem sido cada vez mais procurada para se evitar o uso do carvão e provocar problemas ambientais.

Resultado: distribuidoras de energia tentam se desdobrar procurando atender a demanda e o preço do gás já registra, em média, uma alta de 350% na fatura de energia dos europeus. O nível das reservas é o mais baixo em décadas.

Para piorar, o inverno se aproxima do Velho Continente e o consumo do gás pode sofrer nova alta em decorrência do aquecimento das casas.

Outro agravante vem da Rússia, responsável por fornecer 90% de gás natural para os europeus, que estendeu seu mercado para a Ásia, gerando novas tensões no setor.

De acordo com o Independent Commodity Intelligence Services, o preço do gás, entre o início de agosto e o meio de setembro, ficou 149% mais na caro na França e teve reajuste de 119% na Alemanha.

Há um movimento de busca, pelos países europeus, pelo gás natural liquefeito (GNL), para suprir a demanda, mas o mercado asiático pode novamente ser empecilho, já que Japão, China e Índia estão comprando o produto justamente para se precaver do frio e pressionam ainda mais o mercado.

Está farto de crises? Calma, ainda temos a crise internacional do frete, que segue o mesmo script da volta da atividade econômica, agravado pela falta de contêineres em todo o mundo, o que tem provocado altas astronômicas no preço dos fretes.

Recentemente a Confederação Nacional da Indústria (CNI), realizou um estudo do preço do frete por contêiner que chega ou sai dos portos brasileiros. E constatou que os ajustes no país chegaram a até 446% em dólar, entre janeiro de 2020 e setembro deste ano.

De acordo com o mesmo estudo, a alta para os americanos foi de 433%, a Ásia registou 446% e a África do Sul teve aumento recorde de 510%.

Um contêiner de 40 ft (40 pés) antes da pandemia custava US$ 1.500. Em agosto, seu valor chegou a US$ 15.800. Órgãos governamentais estão de mãos atadas para resolver a crise, uma vez que o mercado marítimo é uma atividade realizada por empresas privadas.

Apenas quatro maiores armadores do mundo detêm 60% do market share internacional. O maior deles é a dinamarquesa Maersk Line, que em 2018 contava com 630 navios e mais de 33 mil colaboradores.

Para a CNI algumas particularidades brasileiras pesam ainda mais na crise, como a pouca relevância que o país ocupa no comércio internacional de contêineres. No qual responde por apenas 1% das unidades movimentadas globalmente, sem falar no desbalanceamento nos fluxos de carga, pois o país importa mais que exporta.

Países como os Estados Unidos não reclamam do frete a US$ 17 mil ou até US$ 18 mil, mas o Brasil precisa necessariamente lutar por um preço menor.

De acordo com a pesquisa da CNI, realizada com 128 empresas e associações industriais brasileiras, 76% apontaram o aumento do valor do frete de exportação, 70% diz ter sofrido coma falta de contêiner e 65% mencionaram problemas com cancelamento ou suspensão de escalas. Especialistas preveem que esta tensão só será atenuada no segundo semestre de 2022.

O que todas essas crises significam para o Brasil?

A busca da China por carvão deve provocar uma guerra de licitações por fornecimento do material e de gás natural, aumentando os preços em todo o mundo. Mesmo com o aumento do gás GNL, o mercado asiático tem se mostrado preparado para pagar valores muito altos e garantir seu abastecimento.

No Brasil, o cenário de crise energética chinesa, somada ao problema de gás europeu e da alta de fretes. deve afetar, inicialmente, os seguintes setores:

Agronegócio

A produção de insumos para defensivos agrícolas, como o glifosato, herbicida mais usado no Brasil, está 23% mais cara em comparação a 2020 e deve subir mais, afetando o custo dos produtos agrícolas e pressionando ainda mais a inflação sobre os alimentos.

De acordo com a ComexStat, o Brasil importou, em 2020, 134 mil toneladas de defensivos agrícolas da China. Além dos defensivos, o governo chinês deve lançar dúvidas sobre a continuidade de exportações de fertilizantes fosfatados, para poder suprir o mercado interno.

Da mesma forma que a China é o maior produtor mundial destes fertilizantes, é também o maior consumidor. Não estão fora da lista os fertilizantes hidrogenados, derivados de amônia, a partir da transformação química do gás natural, que subiu mais de 550% em 12 meses.

Não bastasse, o preço da ureia subiu US$ 60 em apenas um dia, devido aos estragos do furacão Ida, que atingiu, entre agosto e setembro, o Estado Louisiana, nos Estados Unidos, com o poder destrutivo da categoria 4, fator que também elevou o custo de frete da barcaça do material em um nível máximo em nove anos.

Mineração

A desaceleração do preço do minério de ferro, registrada nestes últimos meses, diferindo da escalada de preços em 2020, tem relação direta com a China.

De acordo com especialistas, o próprio governo chinês tem promovido uma derrubada nos preços, reduzindo a produção de aço, para que possa controlar a inflação e também para conter as emissões de carbono da atmosfera.

Some-se a isso a crise energética do carvão e a crise da incorporadora Evergrande, que provocou uma desaceleração na economia chinesa, causando uma oscilação na cotação do minério de ferro, nos curto e médio prazos.

Por ser a maior construtora do gigante asiático, a Evergrande, cuja dívida gira em torno de US$ 300 bilhões, acaba impactando toda a cadeia do aço e empurra para baixo os preços do insumo e do minério de ferro.

Analistas acreditam que o governo chinês não vai deixar a incorporadora quebrar, até por que emprega 200 mil pessoas, mas a queda do minério de ferro e outros commodities deve pressionar a balança comercial de Minas Gerais e, por consequência, do Brasil.

Atualmente, dois terços do minério de ferro exportado do Brasil têm como destino a China. Com a perspectiva de queda nestas exportações, espera-se que superávit brasileiro seja afetado em 2022.

De acordo com analistas da Mirae Asset Wealth Management, no curto prazo haverá uma pressão nos preços do insumo siderúrgico, embora ainda possa ocorrer uma queda pontual. Estima-se a cotação em um patamar entre US$ 100 e US$ 120 a tonelada.

Energia

O impacto da crise de energia chinesa afeta fortemente no preço do gás natural no Brasil, que já acumula uma alta de 50% em um ano, bom como no preço da gasolina, do diesel, e do gás de cozinha (GLP).

O gás natural subiu 7% em agosto e sua alta em seis meses acumula 48%. Durante esse período, o petróleo teve alta de 13%, seguindo a elevação das commodities globais.

O cenário externo também levou a Petrobrás a mover, em uma só tacada, os preços do diesel (+3,8%), da gasolina (+6,2%), e do GLP (+5,9%). No acumulado do ano, a elevação atinge os assustadores índices: gasolina (+46%), diesel (+40%) e GLP (+37,9%).

Resinas

De acordo com a Associação Brasileira Produtora de Resinas Plásticas e Afins (Adirplast), o Brasil importa seis milhões de toneladas do material por ano.

O aumento dos preços do petróleo, do gás e do carvão no mercado chinês pode atrasar a retomada do setor no país. Desde 2020, praticamente todas as resinas tiveram uma alta de cerca de 80%.

O que isso significa para o consumidor brasileiro? Aumento nos preços de computadores, carros, celulares, embalagens e, até mesmo, máscaras descartáveis.

No caso da indústria química, quase metade dos insumos utilizados pelo setor é importada. Somente em 2020, 15,3% deste total vieram da indústria chinesa.

Produtos de baixo valor agregado

Analistas afirmam que esta crise internacional do frete deverá incidir com maior força em produtos com baixíssimo valor agregado, e sendo ainda mais absorvida para os de valores médio e alto.

Isso deve incidir nos produtos mais vendidos no país, presentes em mercados populares como a 25 de março, em São Paulo.

O setor de brinquedos e a variedade já sentiu o impacto e o Natal deve ser um tanto atípico com variedade bem menor destes itens disponível nas prateleiras. Isso não significa que produtos de alto valor agregado estejam imunes à crise.

Além da alta do frete que eleva o custo do produto ao consumidor final, contratos não vêm sendo respeitados em troca de espaços.

O reflexo na inflação e no PIB brasileiros

Caso esse rol de crises não se resolva rapidamente, sobretudo em todas as dificuldades que possuem relação direta com a China, haverá uma piora de prognósticos pela recuperação da economia mundial, o que afetará em cheio a economia brasileira e os índices de inflação em 2022, uma vez que 26% da exportação nacional tem como destino o país asiático.

Como agravante, adicione-se a dependência brasileira na importação de produtos químicos, cujos preços internacionais estão elevados e a taxa cambial alta impacta sobre os preços em reais.

É de salientar ainda o impacto de 60% sobre o IGP-M dos produtos no atacado, que tem forte correção com os Preços Internacionais e taxa de câmbio.

Ou seja, em um cenário de perspectiva de preços internacionais ainda elevada, e taxa de câmbio também com tendência de alta, os preços ao Produtor (representados pelo IGP-M) sofrerão fortemente novas pressões.

Já com relação ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a expectativa do mercado para 2021 subiu de 9,17% para 9,33%. Foi a trigésima primeira semana seguida de aumento. O centro da meta de inflação em 2021 é de 3,75%.

Pelo sistema vigente no país, será considerada cumprida se ficar entre 2,25% e 5,25%. Com isso, a projeção do mercado já está acima do dobro da meta central de inflação (7,5%).

Para 2022, o mercado financeiro subiu de 4,55% para 4,63% a estimativa de inflação. Foi a 16ª alta seguida. No ano que vem, a meta central de inflação é de 3,50% e será oficialmente cumprida se o índice oscilar de 2% a 5%. Com isso, a estimativa se aproxima mais do teto do sistema de metas.

Em outubro, coma alta da gasolina, o IPCA acelerou para 1,25%, após ter registrado taxa de 1,16% em setembro. Foi a maior alta para um mês de outubro desde 2002. A gasolina foi a vilã da inflação no mês com uma alta de 3,10%, e salto em 12 meses chega a 42,72%.

Além de uma alta maior na inflação, o mercado financeiro também baixou a previsão de crescimento do PIB deste ano, que passou de 4,94% para 4,93%.

Para 2022, o mercado reduziu a previsão de alta do PIB de 1,20% para 1%. No começo deste ano, a previsão dos analistas era de uma alta de 2,5% para a economia no próximo ano. A expectativa começou a ser revisada para baixo somente em setembro.

Tânia Gofredo, gerente de análise econômica da Costdrivers e Rodrigo Scolaro, economista da Costdrivers