As grandes casas bancárias tradicionais pareciam tomar todas as suas decisões coletivamente, por mais que disputassem ferozmente os melhores clientes – principalmente as também grandes e tradicionais empresas. Até mesmo as suas sedes tendiam a agrupar-se próximas umas das outras, as construções eram parecidas e todos se vestiam seguindo o mesmo dress code. A “rua dos bancos” existiam em todas as grandes cidades.
As sedes, erigidas para demonstrar a solidez e riqueza dos bancos, eram sempre grandes, imponentes, com pé direito alto, forradas de granito, mármore e dourados, silenciosas, luxuosas e, simultaneamente, austeras. O cidadão comum, assalariado e de baixa renda, se sentia constrangido quando precisava entrar na agência para algo banal, como solicitar um “talão de cheques” ou fazer um saque no caixa. Ele se sentia um intruso, e muitas vezes era tratado como tal.
E para pedir um empréstimo? Melhor vestir a roupa de domingo e ir acompanhado por alguém também “bem vestido”. Claro, terno e gravata. E muita paciência.
Esse quadro praticamente desapareceu felizmente para todos: usuários, bancários e banqueiros, porque o mundo também mudou. E um dos principais fatores foi a apropriação por empreendedores de visão e sem medo de risco, da abertura normativa pelo Banco Central e das inovações tecnológicas disseminadas nos últimos anos. E então, criaram um “negócio” chamado “banco digital” (que, muitas vezes, nem é exatamente um banco).
Ágeis, identificando nichos de atuação, sem maior burocracia, literalmente levaram as atividades bancárias e as transações financeiras para a palma da mão de todos, para os telefones celulares e conquistaram dezenas de milhões de clientes. O Banco Central avalia que, apenas durante a pandemia, cerca de 17 milhões de brasileiros abriram contas bancárias pela primeira vez – e foram contas digitais. O Brasil tem hoje, segundo a ANATEL, 251,6 milhões de linhas ativas de celulares, número superior ao total de clientes possíveis!
E, a multiplicação das fintechs balançaram, se não as sedes de mármore e granito, pelo menos algumas das crenças tradicionais das casas bancárias, que foram forçadas também a um processo acelerado de digitalização e de simplificação das relações com os clientes.
Ainda assim, nem todo brasileiro está familiarizado e confia nas novas tecnologias, principalmente quem ainda não tinha uma conta bancária, cerca de 17 milhões como mencionamos, e muitos relutam em confiar em bancos sem agências (e sem filas), sem um gerente “com cara”, sentado do outro da mesa para atendê-lo.
Todavia, a nova realidade, duramente testada com o surgimento da pandemia, acelerou a adoção das contas digitais por 92 milhões de brasileiros apenas nos programas assistenciais do governo atendidos pela Caixa Econômica Federal. E o sistema funcionou admiravelmente, aumentando a confiança dos usuários nas chamadas fintechs, e a diferença no nível de confiança entre bancos tradicionais e fintechs está diminuindo rapidamente.
Esse resultado foi agora demonstrado por pesquisa realizada pela FEBRABAN (Radar Febraban, Pesquisa Febraban-Ipespe). Enquanto 59% do universo pesquisado em fevereiro de 2023 afirma confiar nos bancos, 57% diz confiar nas fintechs. No início da série histórica, em março de 2021, 57% dos brasileiros confiavam nos bancos e 49% nas fintechs. Já em relação a não confiar nas operações financeiras, o percentual de 32% não variou, enquanto os percentuais de desconfiança ficaram respectivamente em 33% e 37%.
O mercado de fintechs era, até o ano passado, um mercado de gente feliz, empreendedores, investidores e consumidores. Mas o custo do dinheiro, em escala global, subiu forte e rapidamente, e agora o quadro de tons azuis pode estar em mudança. Com taxas de juros em alta, e inflação elevada em quase todo o mundo, o capital fica mais difícil de ser obtido e todas empresas sofrem – algumas até fracassam. Recentemente no mercado financeiro, os casos mais rumorosos se deram com empresas tradicionais, mas também o setor de tecnologia e fintechs vêm sofrendo e provocando demissões e fusões de operações, nas busca de rentabilidade.
O impacto na confiança com os bancos e fintechs ainda não foi medido, mas caso a caso dependerá de como os clientes são tratados neste momento (é um momento crucial para trabalhar seriamente a experiência do cliente) e de como a empresa é gerida. E para que a primeira possa acontecer, a segunda é mandatória.
Fintechs dependem essencialmente de bons projetos estratégicos, com a sua visão do negócio sendo suportada por bons projetos de tecnologia para gestão das operações, atualização permanente do CRM, comunicação com a base de clientes e o mercado e, fortemente, de alto padrão de segurança e de proteção dos dados dos clientes e das transações. Por aqui, estamos nesse caminho. Oferecemos suporte e tecnologia para que cada cliente tenha seu próprio ecossistema financeiro, se tornando então, a própria fintech. Acredito que esse é um caminho sem volta, se bem gerido.
Esta crise irá passar, como a recente e muito mais grave crise provocada pela pandemia, e as empresas que têm sólidas parcerias com seus clientes e seus parceiros sairão mais fortes e melhor preparadas para retomar uma trajetória de crescimento – isto não é previsão, é o que a história recente nos ensina.
Por Douglas Barrochelo, é o CEO da Biz, uma fintech que oferece uma plataforma completa de payment, banking e fraud-prevention. O executivo é bacharelado e especialista em tecnologia e engenharia pelas Universidades Cruzeiro do Sul e Presbiteriana Mackenzie.