A crise econômica gerada pela pandemia trouxe inúmeros desafios que precisam ser superados por meio de medidas que estimulem o crescimento e a produtividade em diferentes setores de forma sustentada. A descapitalização do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não vai nos ajudar nessa jornada. Em nome de um benefício voltado a parcela reduzida da população, os saques ao fundo podem comprometer investimentos importantes, que exigem grandes montantes e impactam significativamente a qualidade de vida de inúmeras pessoas, com obras de saneamento básico, habitação popular, mobilidade e saúde.
Um movimento de bondade equivocado, Na prática, a criação de novas modalidades de saques favorece justamente uma pequena parcela da população, os mais ricos, em detrimento de uma grande maioria que se beneficia das políticas sociais viabilizadas pelo fundo. Apenas 13% dos cotistas detém 80% dos saldos. Em outra análise, ainda mais incômoda – os cotistas com renda mensal acima de 20 salários-mínimos concentram 53% do montante total. Não estamos, portanto, contribuindo para uma melhora social, nem mesmo econômica.
O fundo é um pilar de apoio tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. E precisamos proteger os dois. São esses recursos que sustentam os investimentos nos serviços públicos que atendem principalmente a população de baixa renda, sem a necessidade de investimento estatal, além de responderem pela geração de dois milhões de empregos ao ano.
Criado em 1967, ele atua como uma poupança de longo prazo ao trabalhador, com foco em sua aposentadoria. Além disso, garante uma reserva de valor que pode auxiliar o cotista em momentos de vulnerabilidade como, por exemplo, em uma demissão involuntária ou quando há necessidade de tratamento para doenças graves. Ao longo do tempo, algumas melhorias foram sendo introduzidas na legislação, entre elas o saque no aniversário e a distribuição de lucro aos cotistas. Esse novo arcabouço permite que as pessoas possam sacar anualmente uma parte dos depósitos acumulados. Além disso, a rentabilidade do fundo melhorou nos últimos anos e superou a inflação.
Do lado social, o FGTS é vital para o país. Isso porque sua missão não se limita a ser um recurso dos trabalhadores, como enfatizam os que defendem as medidas de liberação de saques sistemáticos. Se o que desejamos é um país mais igualitário, não podemos omitir dos argumentos sobre a destinação desse recurso que ele também segue regras claras de uso, permitir a continuidade de projetos sociais que o governo não tem como arcar sem essa fonte.
Temos carências em múltiplas frentes. Muitas famílias vivem hoje com grandes dificuldades para atender até mesmo as necessidades mais básicas e ninguém é insensível a isso. A reflexão que se propõe aqui é de termos um olhar mais amplo e não sacrificar ainda mais os já escassos recursos para os projetos que promovem melhorias crucias para a sociedade e refletem diretamente na qualidade de vida da população menos favorecida. Reeditar medidas paliativas como o incentivo ao saque do FGTS não trata o problema em sua essência, nem mesmo gera crescimento econômico sustentável como alguns defendem.
É no impulso das forças produtivas e com caminhos que ampliem as oportunidades de emprego e qualidade de vida que vamos alcançar um melhor ambiente econômico e social para todos. Em um país com um histórico de altas taxas de juros e restrições orçamentárias por parte do governo, o FGTS foi o grande responsável por viabilizar o desenvolvimento econômico e social brasileiro. Essas atividades necessitam obrigatoriamente de juros acessíveis e investimentos de longo prazo para acontecerem. Em diversos países, existem linhas de financiamento específicas para essa finalidade, muitas delas com expressivos aportes de recursos do governo. No Brasil, a sistemática do FGTS garantiu essa dinâmica social.
Estudos mostram que para cada 1 real investido em saneamento, são economizados 4 reais em saúde. Infelizmente, 11 mil brasileiros morrem por ano por não terem acesso a água potável. Sem investimento, será muito difícil atingir a meta estabelecida pelo Marco Regulatório do Saneamento, que prevê que 99% dos brasileiros tenham acesso a serviços de saneamento até 2030.
Não podemos esquecer também que temos a obrigação de combater o déficit habitacional de 7,8 milhões de famílias. Dados da pesquisa “A Jornada de Compra do Imóvel”, realizada pela Brain Inteligência Estratégica e a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), apontam que 80% dos brasileiros que compraram um imóvel em 2021 tiveram melhorias na sua qualidade de vida. A mesma pesquisa aponta que 77% dos imóveis comprados em 2021 só foram viabilizados por meio dos benefícios do programa Casa Verde Amarela.
O Brasil tem o desafio de continuar crescendo de forma sustentável, gerar empregos e principalmente melhorar a qualidade de vida de sua população. A decisão de ampliar as modalidades de saque deve ser antecedida por uma grande discussão entre governo e sociedade. E caso a decisão seja liberar os recursos aos trabalhadores, é necessário a criação de uma política de transição para que o governo possa assumir o papel econômico social que hoje é feito pelo FGTS
Por Luiz Antônio França, presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc)