Alguns dos impactos mais marcantes do processo de digitalização da economia pelo qual estamos passando ainda estão por vir. No setor financeiro, por exemplo, o encontro do uso intensivo de tecnologia pelas instituições financeiras — que vem ocorrendo há anos — com os novos hábitos de consumo dos clientes, cada dia mais afeitos à conveniência e mobilidade, cria o ambiente perfeito para o surgimento, em um futuro próximo, do chamado superapp financeiro.
Antes de mais nada, é preciso deixar claro o conceito de superapp. Com a popularização dos smartphones, nos acostumamos a usar aplicativos especializados em determinadas tarefas, reunindo vários deles em nossos aparelhos. Com isso, começaram a surgir novos aplicativos, agora reunindo um grande volume de recursos e funcionalidades existentes nos demais.
Imagine, por exemplo, um aplicativo em que seja possível assistir a um vídeo, pedir comida, agendar um transporte e alugar uma bicicleta. Essa é a ideia por trás de um superapp: reunir todos os aplicativos em um único, evitando que o usuário tenha que abrir e se logar diversas vezes em aplicativos distintos para executar diferentes tarefas.
No caso do setor financeiro, estamos falando aqui de um player ainda inexistente, um orquestrador de operações financeiras. Ele teria, no setor, a mesma função que o Deezer tem para o consumo de música ou que o Decolar tem para as viagens, permitindo ao usuário compor suas operações e produtos financeiros com diversas instituições. Esta é uma ideia que, apesar de nova, certamente teria sucesso no Brasil.
Tanto é assim que, já em 2019, o Google divulgou resultados de uma pesquisa que mostrou que 81% dos brasileiros ainda não estão familiarizados com o termo Superapp. No entanto, ao entenderem o conceito, 45,8% dos participantes se mostraram dispostos a instalá-los — 20,3% o fariam imediatamente.
Além da digitalização da economia, o surgimento do superapp de serviços bancários seria estimulado também pelo conceito de open finance e pela LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Agora o cliente, com o domínio de suas informações, pode dar acesso e controlar quem vê sua carteira financeira.
Parece algo novo, mas este operador vai surgir em um ambiente já bastante conhecido. Isso porque há ainda um outro fator a estimular seu surgimento: o negócio dos bancos nunca foi desenvolvimento de canais de acesso. Ao longo de sua história, os bancos investiram em canais de vendas pelo impulso do mercado e porque precisavam de quem o fizesse. O eventual surgimento desses orquestradores eliminaria a necessidade de se investir no desenvolvimento de serviços de vendas, uma vez que o canal estará nas mãos dos clientes, exatamente como o Google está hoje, por exemplo.
Óbvio que, para se colocar no mercado, esse orquestrador precisará contar com a parceria de um grande player integrador, capaz de reunir em uma única plataforma não apenas as ofertas dos grandes bancos, mas também as das fintechs que surgem a todo momento, em movimentos de inovação cada dia mais difíceis de acompanhar. Está aí mais um motivo para acomodar tudo em um único aplicativo.
Esse não é um movimento que será realizado pelos grandes bancos, que já se preparam para disponibilizar seus serviços para este novo possível cenário. Caberá a este novo player incorporar todos estes serviços e coloca-los à disposição dos clientes.
Esse orquestrador dará forma ao modelo de Banking as a Service (BaaS), permitindo com que fintechs, bancos e outras empresas se conectem aos sistemas do orquestrador diretamente por meio de APIs para que possam criar ofertas bancárias com base na infraestrutura regulamentada dos provedores. Estamos falando aqui de recursos como criação de contas wallet; transferência entre contas, depósito por meio de boleto, Pix e TED; saldo e extrato; pagamento de contas; recarga de celular; link de pagamento; pagamento com QR code; saque em ATM; carteiras de investimentos, contratos de financiamento e gateway de pagamentos, entre outros.
Parece futurologia, mas estamos muito próximos disso. É um mundo que já está em construção e já passou da hora de nos prepararmos, todos, para ele.
Por Alex Magalhães, diretor de Financial Services da Solutis