- Carlos Nobre critica a inação climática e afirma que as metas atuais são insuficientes para evitar o aquecimento global acima de 1,5°C
- O climatologista aponta o aumento de desastres naturais e o risco de agravamento das condições climáticas devido à falta de ação global
- Nobre defende o uso de tecnologias como energia solar e pecuária sustentável para reduzir emissões, destacando que consumidores podem fazer a diferença
O climatologista Carlos Nobre, uma das principais referências globais quando o assunto é mudanças climáticas, fez um alerta alarmante durante sua participação na 29ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP29), que acontece em Baku, no Azerbaijão. Para Nobre, as propostas e ações dos países até agora são claramente insuficientes para enfrentar o avanço da crise climática e evitar um desastre ambiental de proporções globais.
Falta de progresso e metas insuficientes
Nobre destacou que o ritmo atual das negociações e as metas estabelecidas, como as do Acordo de Paris, não são suficientes para reduzir as emissões de gases de efeito estufa de forma eficaz. O cientista criticou a falta de cumprimento de uma das metas centrais da COP28, que previa uma redução de 43% nas emissões globais de gases de efeito estufa até 2025. Segundo Nobre, mesmo que essa meta fosse alcançada, ela não seria suficiente para evitar que a temperatura global ultrapassasse os 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais — um limite crucial para a manutenção da vida na Terra como conhecemos.
“Nós já estamos há 16 meses com a temperatura elevada em 1,5 grau. Existe enorme risco de ela não baixar mais. A partir de agora, se ficar três anos com 1,5 grau, a temperatura não baixa mais”, afirma.
Ele também explicou que o maior desafio é a contínua dependência global de combustíveis fósseis, os principais responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa.
Poucos países renovam suas metas climáticas
Embora as discussões sobre as metas climáticas estejam em andamento, Nobre afirmou que muitos líderes mundiais ainda não perceberam a urgência da situação. Com o prazo para atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) se aproximando — em fevereiro de 2025 —, ele destacou que poucos países demonstraram disposição para renovar suas metas de redução de emissões.
O Brasil, como próximo país-sede da COP, foi um dos poucos a atualizar sua NDC. Durante as negociações em Baku, o vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin, apresentou uma proposta de redução das emissões de gases do efeito estufa nos próximos 11 anos. Embora um avanço, essa atualização não é suficiente diante da magnitude da crise.
Adaptação e ações locais são fundamentais
“Essa COP29 tem que ser desafiadora. Ela não pode ser igual à COP28. Tem que começar realmente a debater o risco de termos um planeta chegando até a 2,5 graus em 2050. Estamos a caminho de um suicídio planetário se não superacelerarmos a redução das emissões”, reforça.
Para Nobre, não basta apenas reduzir as emissões — os países precisam também se preparar para os impactos inevitáveis das mudanças climáticas. O aumento da frequência de eventos climáticos extremos, como furacões mais fortes e chuvas intensas, já está causando danos devastadores ao redor do mundo, incluindo em países desenvolvidos. Nobre destacou os recentes desastres nos Estados Unidos e na Espanha como exemplo de que os impactos das mudanças climáticas não são mais um futuro distante, mas uma realidade que já afeta a vida das pessoas.
“Explodiram os eventos extremos em quase todo o mundo e, mesmo em países desenvolvidos, esses eventos extremos são graves. Veja os furacões cada vez mais fortes pegando os Estados Unidos, o México. O furação Leme, antes do Milton, matou mais de 200 nos Estados Unidos. Esse, em Valência, nas Espanha, não foi furacão. Isso é um evento extremo de chuva, quase 500 milímetros de chuva em seis horas, mataram mais centenas”
Ele também enfatizou que os países mais pobres, que são mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, precisam de apoio para se adaptarem a essa nova realidade. Isso inclui não apenas políticas públicas e financiamentos internacionais, mas também ações locais que podem contribuir significativamente para a mitigação da crise.
Tecnologia e consumo consciente: alternativas viáveis
Nobre também abordou como a tecnologia pode ser uma aliada importante na transição para uma economia mais sustentável. No Brasil, por exemplo, o desmatamento na Amazônia e no Cerrado representa 75% das emissões de gases de efeito estufa, enquanto a agropecuária, em particular a pecuária, responde por 25%. O climatologista defendeu que a adoção de práticas mais sustentáveis, como a pecuária regenerativa, que emite significativamente menos gases, pode ser uma solução viável e lucrativa, sem impacto no preço final da carne.
“No Brasil, 75% das emissões foram o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Outros 25% foram emissões da agropecuária, principalmente da pecuária. Já há mercados frigoríficos que vendem a carne da pecuária sustentável, da pecuária com muito mais baixa emissão. Aí o preço dessa carne é igual, porque a pecuária regenerativa, ela é mais lucrativa, mais produtiva, então não tem variação de preço”, explica.
Além disso, Nobre ressaltou o avanço de tecnologias como a energia solar, que já se mostra mais barata que a energia termoelétrica, e os carros elétricos, que também são mais econômicos quando o custo dos combustíveis fósseis é levado em consideração.
“Nós temos realmente que assumir a nossa liderança, porque em sociedades como a nossa, democrática, com toda liberdade, comprar um carro elétrico economicamente faz todo sentido. Comprar a carne da pecuária sustentável, com baixas emissões, faz todo sentido, e o preço é o mesmo”, conclui.
Conclusão: Ação urgente e responsabilidade de todos
Para Carlos Nobre, é fundamental que a humanidade assuma uma postura de liderança diante da crise climática, considerando tanto a mitigação quanto a adaptação aos impactos inevitáveis das mudanças climáticas. A transição para uma economia mais sustentável, com menor dependência de combustíveis fósseis e maior uso de tecnologias verdes, não é apenas possível, mas já é uma realidade ao alcance de todos.
“Estamos em um ponto de inflexão. Ou tomamos medidas urgentes agora ou enfrentaremos um suicídio planetário”, concluiu Nobre, deixando claro que a hora de agir é agora, e que todos — governos, empresas e indivíduos — têm um papel crucial na construção de um futuro mais sustentável para o planeta.