- Fernando Haddad destaca a importância de a esquerda fazer uma “reflexão” sobre sua identidade. Além de apresentar um “projeto de futuro” para reconquistar a confiança da população
- Haddad aponta que a extrema-direita tem ocupado um espaço significativo ao oferecer um “horizonte distópico”. Assim, atraindo apoio de segmentos da população que buscam mudanças
- O ministro enfatiza que o mundo carece de visões emancipadoras. Alertando, contudo, que a falta de um sonho coletivo pode levar ao surgimento de movimentos alarmantes e à desilusão política
Apontado como um dos homens de maior confiança do presidente Lula no governo federal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem se destacado não apenas por sua posição no Executivo, mas também por sua trajetória política. Candidato à Presidência da República em 2018, Haddad é frequentemente mencionado como um potencial sucessor de Lula nas próximas eleições.
Em uma recente entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Haddad enfatizou que a responsabilidade por definir os rumos da sucessão presidencial cabe ao próprio Lula. No entanto, ele também destacou a urgência de a esquerda refletir sobre sua identidade e apresentar um “projeto de futuro” para o país. Para o ministro, é fundamental que a esquerda reconheça a necessidade de um discurso claro e inspirador, que possa dialogar com as aspirações da população.
“Em 2008, assistimos a uma crise [financeira] do neoliberalismo, e a extrema-direita começou a avançar no mundo inteiro. Seu pensamento começou a se impor. A segunda razão para que isso acontecesse é que a esquerda ainda estava saudosa de estruturas do século 20 que tinham feito água nos anos 1980. O sistema soviético, o nacional-desenvolvimentismo e a própria social-democracia europeia, que eram as três grandes estruturas com as quais partes da esquerda dialogavam, tinham desaparecido, entrado em colapso quase”, analisa Haddad.
Horizonte distópico
“Sobrou para a extrema-direita, que sempre cresce em momentos de crise sistêmica, sobretudo quando a esquerda não se planeja para esse momento, como foi o caso. A esquerda não estava preparada em 2008, com um programa renovado, com um sonho renovado”, completa o ministro.
Haddad observou que a extrema-direita tem conquistado um espaço significativo na sociedade ao oferecer um “horizonte distópico” que ressoa com muitos cidadãos. Ele argumentou que, na ausência de uma visão utópica convincente, a extrema-direita se torna a opção predominante, capturando a atenção e o apoio de segmentos da população que buscam por mudanças.
“Quando você não tem um sonho, um horizonte utópico que guia as pessoas, você tem um horizonte distópico. E a extrema direita é distópica”, explica Haddad.
“Você precisa se reapresentar para a sociedade. Eu falei de três estruturas que tiveram pensadores associados a elas. Havia o pessoal mais radical do Partido Comunista. Mas havia projetos sem revolução também. O Estado brasileiro desenvolvia a sua economia, a América Latina crescia, depois isso migrou para a Ásia, a social democracia funcionava”, prossegue.
“Mesmo sabendo de todos os problemas desses três modelos, eles eram promessas. E a promessa sempre fez parte da política. A política é promessa. É projeto.”
O ministro também alertou que o mundo atual carece de visões emancipadoras e positivas.
“o mundo está devendo para si mesmo horizontes emancipatórios”. “E, quando isso acontece, e já aconteceu cem anos atrás, a distopia toma conta. Os clowns [palhaços] tomam conta do picadeiro. E começam a surgir esses movimentos que assustam. E nos perguntamos: ‘De onde saiu essa pessoa? De onde saiu esse sujeito? Como é que essa pessoa tem 30% dos votos?’”, questiona.
“É preciso fazer uma reflexão séria. E eu penso que a esquerda está se devendo a isso. Mais formulação teórica, mais aprendizado, mais ousadia na reflexão sobre o que é possível fazer.”
Essa reflexão de Haddad se coloca como um chamado para a esquerda se reimaginar e reavaliar suas propostas, garantindo que possa novamente se conectar com os sonhos e anseios da sociedade, oferecendo alternativas viáveis e inspiradoras para o futuro do Brasil.
“Se a esquerda não se renovar, não se reapresentar, não se reformular, não expandir os seus horizontes, não oxigenar o debate político, não convencer que tem um horizonte de emancipação das pessoas, de mais liberdade, de mais igualdade, ela vai sofrer os efeitos da atual crise política”.