Ao longo dos dois últimos dois dias, a divulgação do novo arcabouço fiscal, por meio do Projeto de Lei Complementar nº 93/2023, ensejou análises equivocadas a respeito dos dispositivos da proposta.
Em que pese a regra de correção da despesa permitir crescimento real de 2,3%, em 2024, a própria Warren Rena já havia identificado, após visitas institucionais a setores do governo federal, na semana passada, que seria pouco provável que a despesa crescesse a apenas 0,6%, piso da banda para o período de 2024 a 2027.
Isso requereria que a despesa discricionária (não obrigatória) se situasse em patamar de cerca de R$ 154 bilhões, próximo do nível de 2022 e bem abaixo do projetado para 2023. Não seria uma missão impossível, mas, sim, pouco crível. A conta acima considera premissas para os gastos obrigatórios, como apresentei em notas técnicas recentes aos clientes, já influenciadas pelo reajuste do salário mínimo e pelos reajustes salariais dos servidores públicos.
Assim, a taxa real de 2,3%, estimada por nós, se confirmada, não representará risco fiscal adicional ou coisa que o valha.
Claro que uma elevação artificial da receita para turbinar a taxa real de crescimento do gasto no ano que vem seria um péssimo caminho. Isso, no entanto, não está até agora no radar.
A própria entrada de recursos do PIS/PASEP, a raspa do tacho do dinheiro não sacado do respectivo fundo, é algo incerto até no aspecto contábil, como apuramos também em Brasília. O Banco Central tende a ter dúvidas sobre se se trata de receita primária ou financeira (esta última, a saber, é aquela que tem contrapartida financeira; a primeira, o oposto).
Assim, desarmado esse primeiro alarme, vamos a mais alguns itens importantes:
a) A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) não está a ser flexibilizada. As metas anuais e plurianuais seguem sendo fixada no chamado Anexo de Metas Fiscais, mas agora há uma sanção prevista para o caso de seu descumprimento: restringe-se a alta do gasto no ano seguinte;
b) Os 13 itens do gasto (inclusive transferências) que são excepcionados equivalem à própria lista de exclusões do antigo teto de gastos (Emenda Constitucional nº 95/2016), de modo que os mesmos riscos daquela lista são os da atual lista. O volume calculado pela Warren Rena representa pouco mais de 22% em relação aos gastos totais (com transferências);
c) A sanção prevista para o caso de rompimento da regra de primário terá de ser aplicada por meio do chamado contingenciamento ou bloqueio de gastos. Não está solta ou desancorada, por assim dizer;
d) A regra de correção da receita corrente líquida, ao considerar o IPCA acumulado até junho, em 12 meses, e não média contra média, erra. Matematicamente e economicamente, o correto é média contra média. Mas, no próprio teto de gastos antigo já funcionava assim. A surpresa parece curiosa sob esse aspecto. Além disso, essa questão não representa, necessariamente, espaço adicional para gastos. Isso só ocorreria na presença de dois fatores, simultaneamente: aceleração da inflação do primeiro para o segundo semestre e elevação atípica de receitas no primeiro semestre.
e) O chamado enforcement da regra de gastos é exata e precisamente o mesmo do antigo teto de gastos, mas agora na presença de maior flexibilidade. Para ter claro: nunca a proposta orçamentária poderá ser enviada sem respeitar a regra de gastos. Nunca a execução poderá romper o limite. A segunda afirmação implica uso do contingenciamento para controle, se necessário.
f) A trajetória de dívida não está desligada do novo arcabouço, como ocorria com o teto de gastos. O PLP 93 obriga à apresentação dos efeitos das novas regras, em cada LDO (que é anual), sobre a trajetória da dívida/PIB.
g) O investimento não crescerá livremente. Somente o excesso em relação ao limite superior da meta de primário poderá ser gasto, e com teto previsto.
Isso ajuda a dirimir os equívocos dos dois últimos dias. A regra está longe de ser perfeita e, na conformação apresentada, continua a defender, para um melhor desempenho, de receitas novas. No entanto, a regra de gastos é boa e melhora a trajetória da dívida/PIB.