Notícias

Grandes empresas listadas na B3 apresentam baixa transparência em relação a critérios ASG

imagem padrao gdi
imagem padrao gdi

Desconhecimento ou falta de monitoramento da cadeia de valor, empresas que emitem títulos verdes, mas que não possuem evidência mínima de que cumpram a legislação referente às práticas socioambientais e até disparidade salarial que pode chegar a 1700 vezes entre o rendimento médio e o do CEO: estes são alguns resultados do estudo sobre o fortalecimento da agenda ESG em temas cruciais nas normas da CVM.

Intitulado “Recomendações para fortalecimento da consideração de questões climáticas e socioambientais na regulação de mercado de capitais brasileira” e desenvolvido pela Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), o estudo foi divulgado nesta quinta (21) no 11º BIS – Bate-papo Inclusivo e Sustentável da SIS. O objetivo foi analisar o estágio atual da transparência de informações ASG no mundo corporativo no Brasil, a partir das empresas de grande porte que estão listadas na B3, e são emissoras de títulos e valores mobiliários (tema tratado na Resolução CVM 59/2021), mas que atuam em setores de elevados riscos ambientais e climáticos.

Foram consultadas normas do Brasil, mas também as existentes em outros mercados na regulação de capitais em matéria ASG (ambiental, social e governança), além de propostas de normas da UE e novas iniciativas de autorregulação global, como a TNFD (publicadas na Climate Week deste ano) e os Sustainability Standards (S1 e S2) do IFRS, publicados no semestre passado e cuja integração a regulações de mercado de capitais já foi recomendada pela IOSCO.

Os resultados encontrados estão disponíveis neste link e são recomendações à CVM (que é o regulador brasileiro na matéria) para abranger a divulgação de informações ASG por empresas que emitem títulos e valores mobiliários, rotulagem de produtos de investimento ASG (art. 49 da Resolução CVM 175/2022) e ratings ASG (tema ainda não regulado em nenhum país, mas que já tem proposta de norma sendo discutida na União Europeia), além da integração de critérios ASG em fundos de investimento que investem em atividades com grandes riscos ambientais.

Segundo Luciane Moessa, Diretora Executiva e Técnica da SIS e uma das autoras do estudo, o mercado de capitais tem grande importância na economia, por ser normalmente a principal fonte de acesso a capital para grandes corporações que, por sua vez, têm poder de influência sobre outros elos da cadeia de valor de bens e serviços, sejam fornecedores (pelas exigências que pode fazer) ou clientes (pelas opções que pode oferecer).

“É importante evidenciar que certos temas nunca serão divulgados – ou não o serão de forma útil para investidores – se a regulação não tiver a abrangência e a clareza necessárias”, afirma Luciane Moessa.

“Construir uma economia sustentável, sob os prismas ambiental, social e econômico (e as questões climáticas afetam esses três eixos), deveria ser um dos objetivos almejados pelas ‘regras do jogo’ do mercado de capitais.”

Foram analisadas informações obrigatórias (esse é o primeiro ano em que a norma de 2021 produz efeitos, para os Formulários de Referência apresentados a partir de 31 de maio de 2023) e informações voluntárias (seleção de temas para análise em relatórios de sustentabilidade conforme metodologia da SIS e questões selecionadas dos questionários CDP e do Índice de Sustentabilidade Empresarial da B3). Das 60 empresas listadas na B3 que foram avaliadas, 52 têm relatórios de sustentabilidade. Das oito que não possuem, sete atuam em setores de alto risco ambiental. Os indicadores selecionados na Metodologia da SIS variam conforme o setor econômico, considerando os riscos e impactos muito distintos de cada um deles.

Durante o webinar de hoje, Luciane Moessa deixou clara a importância de a CVM definir quais empresas devem elaborar relatórios de sustentabilidade.

“Nosso estudo verificou empresas que atuam em setores altamente poluentes de recursos hídricos e atmosfera, além de gerarem resíduos tóxicos, como indústrias de várias naturezas, além de empresas do agronegócio e do setor de construção pesada que não realizam este relatório, pois a regulação as deixa livres para decidirem sobre relatar ou não.”

O estudo pontuou ainda a necessidade de as empresas divulgarem os riscos e impactos em sua cadeia de valor e divulgarem a localização de suas operações. Também enfatizou a necessidade de o relatório considerar indicadores-chave por setor econômico, a serem definidos na regulação.

“A norma da CVM de 2021 é positiva e trouxe pontos importantes na agenda climática e de diversidade, mas nossa contribuição é para que explore muitos temas que ficaram faltando”, explicou.

Um ponto de atenção e de risco, segundo o estudo, são os Fundos de Investimento em atividades com altos riscos socioambientais e climáticos que precisam de uma avaliação cautelosa da CVM para evitar que o mercado de capitais se transforme em alternativa para financiar atividades que causem danos ao meio ambiente, ao clima e à sociedade.

Nathalie Vidual, Superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da CVM, explicou as linhas gerais de trabalho da CVM e sua preocupação com a pauta ASG. Ela destacou que o momento é de curva de aprendizagem e que o levantamento de dados promovido pelo estudo da SIS foi importante para compreender o cenário atual, pois revelou que as empresas ainda não estão preparadas para coletar e reportar informações ASG.

“Essa amostra trouxe diversidade de setores, o que vai permitir olhar para quem merece mais atenção e o que pode ser feito. Além disso, a CVM tem conversado com agências de rating ASG e em breve vai lançar um plano de ação da política de finanças sustentáveis para ser divulgado. Será bem completo e vai trazer para o mercado uma percepção mais clara das ações e iniciativas que devem ser implantadas até 2024 para ampliar esforços em relação às finanças sustentáveis.”

Já Fábio Coelho, Presidente da AMEC (Associação dos Investidores no Mercado de Capitais), ressaltou que o estudo mostrou a visão do investidor e se disse feliz ao ver o nível de detalhes da pesquisa e como o mercado evoluiu em relação a essas pautas. Ele explicou que o investidor médio é cético e pragmático e isso faz com que, se não houver incentivo para as empresas e investidores, do ponto de vista regulatório, o tema ASG fique em segundo plano.

“É verdade que a percepção e o entendimento, nos últimos três anos, é maior com relação à sustentabilidade, mas a questão do clima ainda é vista de forma muito básica, pois é uma agenda que ainda está distante do investidor, que ainda não tem claro como avaliar e comparar empresas com relação a essa pauta”, explicou.

Raquel Castelpoggi, Coordenadora do Comitê de Sustentabilidade da ABRAPP (que reúne a maioria dos fundos de pensão brasileiros, com mais de 240 associados), encerrou a apresentação destacando que os reguladores estão fazendo o seu papel, mas é necessária uma ação conjunta. “As mudanças climáticas têm impacto financeiro, social, econômico e ambiental e a gente precisa de métricas para mapear, pois sabe que as empresas não reportam e não têm preocupação ainda sólida com relação a esses temas”, afirmou. Raquel explicou que, quando um investimento é feito sem considerar métricas ou metodologias, corre-se o risco de enfrentar desastres ambientais severos. Por isso, a necessidade de estar elencado em um relatório, com previsão e provisão de recursos. Ela também destacou a importância de os investidores participarem de treinamentos para análise de riscos, temas ASG e métricas do setor para que estejam preparados para avaliar as empresas e evitar envolvimento em possíveis escândalos.

Sair da versão mobile